quarta-feira, 4 de maio de 2011

Invenção e memória






O que acontece com um indivíduo se lhe retiram a memória do passado? Por outro lado, o que acontece com um indivíduo cuja existência se estrutura em torno de lembranças nebulosas, narrativas incompletas de um passado recente?

Os três espetáculos da Trilogia Memórias resultam de uma pesquisa dramatúrgica e cênica ancorada nas diversas possibilidades e utilidades da narrativa como instrumento e meio privilegiado de reconstrução do passado e ressignificação do presente; como meio privilegiado de encontrar e compreender o outro, de atribuir sentido à experiência vivida.

A Morte nos Olhos, A Memória Ferida e Na Outra Margem: três intrigas, uma só protagonista: Ana Kharima Gonzalez Diaz e sua história de vida. Como pano de fundo a ditadura na América Latina dos anos de 1960.

Nestas tramas, a tríade dramaturgia/história/mitologia é acessada para abrir as portas do drama aos eventos relacionados ou ocasionados pela memória e pela alteridade. Eventos estes reconstituídos e fixados sob a forma de narrativa dramática, por vezes romanesca. Neste contexto, pois, emerge um contundente e acirrado debate em torno do confronto com o outro e do problema da identidade, ou de algumas causas da fragilidade da identidade: quem sou eu?

As questões acerca da memória versus História e seus critérios de transversalidade; da incapacidade de definir uma memória individual face aos significativos movimentos históricos, inscritos nas memórias coletivas do presente e do passado, estão na pauta deste debate. Esta perspectiva faz de Ana Kharima uma espécie de porta-voz daqueles filhos da ditadura a quem a História foi em parte omitida ou, muitas vezes, sequer contada?

Paul Ricoeur disse que “a memória e a imaginação têm em comum o vetor da ausência: a ausência no presente”. É pela ausência e na ausência que Ana Kharima, como muitos hijos latino-americanos, grita contra o silêncio e o esquecimento; constrói uma memória – em conseqüência uma identidade – não pela via da memorização, nem da rememoração pura e simples, mas numa perspectiva de invenção criativa: como se quisesse dizer: a chave de entrada para a compreensão do real é a ficção!



Dinah Pereira






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