ESPETÁCULOS

A Morte nos Olhos é a fábula de uma moça desmemoriada que acorda num quarto de uma casa no Sertão do Nordeste sob os cuidados de uma Senhora muito generosa. Portando consigo apenas uma bolsa com um livro de mitologia e as páginas manuscritas de um conto fantástico inacabado, a moça decide continuar essa história, invocando seres mitológicos e imaginários, mergulhando num universo, onde ficção e realidade, pesadelo e memória se fundem.

A Memória Ferida reconstitui o trajeto de dois jovens de culturas diferentes que se reencontram e revivem passado comum doloroso. Mas esse retorno ao passado esconde um outro passado ainda mais longínquo e agudo: Os Pais de Ana Kharima eram militantes que, tentando fugir dos militares no auge da ditadura militar, conhecem um destino trágico no Sertão do Nordeste, onde a filha é deixada sob os cuidados de uma Senhora num lugarejo árido e desértico.

Na Outra Margem ocorre num cenário hospitalar, num quarto com apenas um leito e conta a fábula de uma jovem vítima de um acidente automobilístico grave. Com vários traumatismos físicos e psíquicos, sob efeito intenso de grandes doses de morfina e outros tranqüilizantes, a jovem vê desfilar diante de si os personagens da mãe, da enfermeira, da irmã, dos médicos e de seus amantes, os quais lhe reconstituem, cada um ao seu modo, a sua história de vida.

--------------------------

Sobre a trilogia de Dinah Pereira, a crítica, pesquisadora e professora da École Supérieure de Théâtre, da Universidade do Québec em Montreal, Doutora pela l'Université Paris VII, Josette Feral, discorre:


“Essas peças são apenas narrativas, caixas de jóias para acolher e dizer de novo o inconcebível, sob ângulos diferentes. Elas efetuam um longo percurso para melhor nomear o inominável. Oscilando entre ficção e realidade (A Morte nos Olhos), memória e realidade (A Memória Ferida), realidade e loucura (Na Outra Margem), essas narrativas múltiplas costuram o vazio da memória, interpretam de novo fragmentos de cena, concluindo percursos inacabados, preenchendo lacunas, fazendo ligações, completando o que não aconteceu. É assim que Na Outra Margem inventa uma ficção que permite encontros imaginários redentores. Esses encontros poderiam ter acontecido na realidade se as coisas tivessem sido diferentes, se não se tratasse de um destino cego e desprovido de sentido. Mas eles continuam sendo sombras. Entretanto, sua simples presença permite confissões, arrependimentos também, mas permite, sobretudo, obter a segurança de ter sido amado, único caminho de salvação que possibilita consentir em continuar a viver [...].
A memória é construção do passado, naturalmente, mas ela é, mais ainda, construção do presente, dizia Paul Ricouer. Ela é o que permite melhor habitar o presente, estar no presente do passado. O presente do passado! A expressão se aplica com força às três peças aqui apresentadas. A sedução da narrativa da Antonia está bem nessa superposição do tempo, sensível no drama recontado, mas também na estrutura polifocal da peça. É o testemunho de uma consciência que chegou ao final de um longo trabalho de interiorização.” .